Capítulo 30 — Quando o prato entrega o que a pele esconde

“Nem sempre o que parece simples é pequeno. Nem sempre o que brilha é inteiro.”

“O homem vê o que está diante dos olhos, porém o Senhor olha para o coração.”
— 1 Samuel 16:7

“Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça.”
— João 7:24

A vida tem o estranho talento de servir pratos improváveis
misturas que à primeira vista parecem erradas, mas que no sabor revelam graça.
É assim com as pessoas também: há quem olhe um prato e veja bagunça;
há quem prove e descubra sobrevivência.

Era hora do almoço na empresa. A mesa cheia, risadas, conversa leve.
O assunto era comida — e o julgamento inocente que se faz dela.
Uma das colegas comentou, entre garfadas:
— “Desculpa, mas eu não levo a sério quem mistura arroz e feijão com estrogonofe.”

Todos riram. Eu também. E então expliquei
que peguei arroz e feijão achando que o acompanhamento do dia era carne,
e quando vi que era estrogonofe, já era tarde. Misturei.

Ela respondeu aliviada:
— “Ah, então tá perdoada!”

Mas, por dentro, algo despertou.
Naquele instante, o riso ao redor virou eco, e eu voltei no tempo 
pra um lugar onde arroz e feijão não eram opção, eram bênção.
Lembrei de quando o “almoço especial”
era o que meu pai ganhava como sobra de um serviço: o cérebro de boi que ninguém quis.
E isso foi o que tivemos pra comer por semanas.
E a gente comia agradecido.

Naquele tempo, qualquer coisa no prato era bonita.
Porque era o que Deus tinha providenciado.

Olhei pra ela e disse, com calma e verdade:
— “Quando você cresce numa casa com cinco filhos e o único ‘prato especial’
é o resto do que sobrou, aprende a achar beleza em qualquer mistura.”

Ela me olhou surpresa e respondeu:
— “Nossa, quem olha pra sua aparência hoje, nem imagina isso, Pam.”

E foi aí que dois pensamentos se misturaram em mim
— como o arroz, o feijão e o estrogonofe.
O primeiro foi: graças a Deus, eu não sou o reflexo do que me aconteceu.
Eu sou quem escolhi me tornar, apesar do que vivi.

O segundo foi: como julgamos fácil pela pele.
Como olhamos o exterior e achamos que conhecemos o conteúdo.
Quantas vezes definimos alguém pelo que veste,
pelo jeito, pelo sorriso… ou pela falta dele.
Quantas vezes desconsideramos a força escondida por trás de uma aparência frágil,
ou a dor mascarada por trás de um semblante tranquilo.

Cristo nunca foi refém das aparências.
Enquanto o mundo via pecadores, Ele via filhos.
Enquanto viam sujeira, Ele via destino.
Enquanto julgavam a pele, Ele lia o coração.

E eu, desde que comecei a escrever neste Blog, tenho aprendido a treinar meu olhar.
A cada rosto, tento perguntar em silêncio:
Quais são as marcas que essa pessoa esconde?
Quais feridas ainda doem?
Quais correntes ela tenta romper?
Quais flores já nasceram das dores que ninguém viu?

Percebi que empatia é o antídoto do julgamento.
E que ver o outro com compaixão é ver com os olhos de Deus.
Olhos que atravessam a superfície e pousam no segredo.
Porque a beleza verdadeira raramente está na embalagem.
Está nas rachaduras por onde a luz entrou.

Nem todo prato bonito é banquete.
Nem toda pele sorridente é paz.
Nem todo silêncio é vazio.


E talvez o céu aplauda mais uma criança que comeu cérebro de boi agradecendo a Deus,
do que um homem farto que nunca reconheceu a graça de ter o que comer.

Amar como Cristo amou é enxergar além da capa.
É não se escandalizar com a mistura, com o sotaque, com o jeito.
É entender que o valor não está na superfície, mas na sobrevivência.

E quando eu penso em tudo o que vivi…
na menina da casa simples, nos pratos misturados, nos dias em que nada sobrava — entendo que
o milagre foi nunca deixar que a pobreza de fora roubasse a riqueza de dentro.
Porque a pele muda, o prato muda, mas o que Deus faz dentro da gente… isso permanece.

E se, assim como eu, você também já julgou — ou ainda julga —
o outro pela casca e não pela essência, eu te convido a fazer essa oração:

“Senhor,
ensina-me a olhar como Tu olhas.
A ver o coração por trás da aparência,
a história por trás do erro,
a força por trás da dor.
Que o meu olhar cure, e não condene.
E que, em cada pessoa que eu encontrar,
eu reconheça o Teu reflexo —
mesmo que coberto de cicatrizes.
Amém.”

“Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem o forte na sua força, nem o rico nas suas riquezas;
mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que Eu sou o Senhor.”
— Jeremias 9:23-24

Pamela Martins

“Cada testemunho compartilhado aqui conta um pouco de mim e muito de Deus.
Espero que aquilo que um dia me feriu, sirva de cura para quem ler, e que cada palavra escrita com dor, floresça em consolo, esperança e recomeço.”

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Comentários que floresceram por aqui.

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Cristiane
1 mês atrás

Que coisa linda ❤️ as pessoas tendem a julgar por coisas tão insignificante vc ainda teve a sabedoria de responder mais muitas vezes certas palavras tocam em alguma ferida de alguém e não sabíamos que tava la