Capítulo 57 — Quando o vale me chamou

“Porque alguns vales não são punições — são convocações proféticas.”

“Homem mortal, será que esses ossos podem ter vida de novo?”
— Ezequiel 37:3

Eu sempre li Ezequiel 37 como quem lê um milagre de longe.
O vale de ossos secos era só um cenário bíblico, uma paisagem distante, um trecho forte das Escrituras que eu achava bonito, poderoso, inspirador. Mas, pela primeira vez, eu enxerguei algo que eu nunca tinha visto: por que Deus levou Ezequiel até ali?
Por que alguém que amava tanto ao Senhor foi parar no meio de um vale morto?

E aí a Palavra deixou de ser história e virou espelho.
Porque eu também já estive lá.

Não era um vale literal, mas eram dias, situações, lugares e temporadas onde tudo parecia seco.
Lugares emocionalmente áridos.
Relacionalmente vazios.
Espiritualmente silenciosos.
Vales onde eu me perguntava: “O que eu fiz para estar aqui?”
E, muitas vezes, achava que era culpa minha.
Que eu merecia aquilo.
Que Deus estava me punindo ou me deixando aprender do jeito mais duro.

Mas quando eu li aquela reflexão sobre Ezequiel, tudo fez sentido de um jeito tão profundo que parecia que o próprio Espírito Santo estava narrando a minha história:

Deus não levou Ezequiel ao vale para castigá-lo.
Ele levou para autorizá-lo.

O vale não era consequência.
Era convocação.

E olha que irônico: a gente lê o milagre dos ossos ganhando vida como algo glorioso, bonito, poético,
mas a verdade é que, na visão humana, aquilo devia ser assustador demais.

Imagine estar num campo de morte.
Com ossos espalhados.
Silêncio pesado.
Nenhum sinal de vida.
E, de repente, ouvir Deus dizer:
“Profetiza.”

E, quando você abre a boca, os ossos começam a se mexer, se juntar, criar tendões, músculos, pele… e voltar à vida bem diante dos seus olhos.

É lindo na Bíblia.
Mas, na carne, deve ter sido de tremer.

E é aqui que Deus me encontrou:
no ponto em que aquilo que Ele faz é lindo, mas o lugar onde Ele te coloca é desconfortável.

Assim como Ezequiel, eu também já fui levada a vales que não compreendia.
Vales que eu achava que tinham sido consequência das minhas falhas.
Vales onde eu olhei pra mim mesma e pensei:
“Eu devo ter merecido isso.”
“Eu devo ter errado.”
“Eu devo ter provocado esse vale.”

Mas hoje eu entendo:
Em alguns vales, Deus não estava me punindo — Ele estava me treinando.
Me ensinando que a fé verdadeira não é a fé de quem só ora e espera.
Mas a fé de quem ora, se levanta e profetiza.

Porque Ezequiel não discutiu o cenário.
Ele não disse: “Senhor, isso aqui é assustador demais.”
Ele ouviu a voz que dizia:
“Profetiza.”

E ele profetizou.

E foi aí que eu me enxerguei.
Porque a maturidade espiritual não acontece quando tudo floresce, mas quando tudo parece morto e, ainda assim, você abre a boca e diz:

“Eu creio no que Deus disse, e não no que eu estou vendo.”

A fé que transforma vale não é emocional, é obediente.
Não é confortável, é ativa.
Não é passiva, é profética.

E eu percebi que, em muitos momentos da minha vida, Deus me levou para vales que eu não entendia.
E eu me culpei.
Me diminui.
Achei que estava sendo tratada, disciplinada, julgada.

Mas agora eu vejo:
Deus estava me mostrando que Ele podia transformar até o cenário mais improvável quando eu tivesse coragem de profetizar com base na Palavra d’Ele — e não na minha visão limitada.

Ezequiel viu ossos virarem exército.
Eu vi cenários quebrados virarem testemunho.
Ele viu morte virar vida.
Eu vi desespero virar esperança.
Ele viu Deus soprar.
Eu vi Deus restaurar.

E tudo começou da mesma forma:
Uma voz dizendo “profetiza”.
E uma obediência dizendo “então profetizei”.

Hoje eu oro para ser como Ezequiel.
Não pela visão gloriosa do milagre,
mas pela coragem de permanecer firme no vale.
Pela fé que atravessa o silêncio.
Pela ousadia de declarar vida quando tudo parece seco.
Pela confiança de que Deus não me leva ao vale para me destruir,
mas para mostrar o que Ele pode fazer através de mim.

Porque alguns vales não são prisões.
São púlpitos.
E alguns ossos não são ruína.
São futuros restaurados esperando uma palavra da boca de quem crê.

E se há algo que eu aprendi — e continuo aprendendo
é que os vales que Deus permite não são punições, são convites.
Convites para ouvir a voz Dele quando tudo em volta está mudo.
Convites para acreditar quando a razão diz que acabou.
Convites para profetizar quando tudo parece seco demais pra reviver.

E, assim como Ezequiel, eu também já me vi diante de ossos espalhados.
Já me culpei, já chorei, já achei que era o fim.
Mas Deus não me levou ao vale para me mostrar morte.
Ele me levou para me mostrar o que a fé pode fazer quando obedece.

Hoje eu sei:
O vale não foi o lugar onde eu fiquei.
Foi o lugar onde a minha fé aprendeu a falar.
E, cada vez que eu abro a boca para declarar vida, eu lembro:

O vale não me destruiu.
O vale me chamou.
E eu respondi.


“Porei em vós o meu Espírito, e vivereis.”
— Ezequiel 37:14

Pamela Martins

“Cada testemunho compartilhado aqui conta um pouco de mim e muito de Deus.
Espero que aquilo que um dia me feriu, sirva de cura para quem ler, e que cada palavra escrita com dor, floresça em consolo, esperança e recomeço.”

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