Capítulo 63 — A síndrome da Orfandade Espiritual

“Quando Deus desfaz a mentira do abandono e nos devolve ao lugar de filhos.”

Por muito tempo, eu não entendi por que meu coração tinha essa mania de interpretar tudo como abandono.
Um silêncio virava rejeição.
Uma porta fechada virava punição.
Uma espera virava castigo.

E o mais curioso é que eu não fui órfã.
Eu cresci com pai e mãe vivos, presentes, sobreviventes de uma vida dura — mas presentes.
Meu pai, sobretudo… aquele homem simples, exausto, que carregava o mundo nas costas para garantir que nada faltasse, mesmo que o pouco fosse contado no prato.
Um homem que construiu com as próprias mãos a casa onde morávamos — tijolo por tijolo, carrinho de areia por carrinho de aterro, nos finais de semana de folga, no sol, no suor, no silêncio.
Tudo para que os filhos tivessem um teto, ainda que ele não tivesse tempo de oferecer as doses de carinho que eu tanto esperava.

E foi aí que, sem perceber, nasceu em mim uma orfandade emocional.
Uma síndrome silenciosa, quase invisível, que sussurrava no meu ouvido:

“Você não é prioridade.”
“Você incomoda.”
“Você está sozinha.”
“Você precisa provar que merece ficar.”

Cresci achando que qualquer ausência era abandono.
Qualquer correção era rejeição.
Qualquer porta fechada era castigo de um Deus carrasco.

E, por anos, eu enxerguei Deus com essa lente quebrada.

Porque, sim… a nossa relação com Deus sempre passa pela forma como fomos ensinados a amar e ser amados.
Se nossa referência de pai é cansada, distante ou dura — ainda que amorosa à sua maneira — a gente cresce achando que Deus é igual.

Até que um dia eu precisei ser honesta o suficiente para dizer:

“Deus… eu não sei ser amada.
Eu não sei amar.
Eu não sei como é ter um pai carinhoso, constante e presente.
A minha visão está distorcida.
Mas eu quero sentir o Teu amor de verdade.
Restaura em mim a identidade de filha.”

E Ele veio.

Não como juiz.
Não como carrasco.
Não como punição.
Mas como Pai.

Um Pai que cura com paciência.
Que espera o tempo que for.
Que não joga o passado na nossa cara.
Que não nos acusa.
Que não diz “está vendo?”
Que não aponta o dedo e nem esfrega erros.

Ele apenas abre os braços.
Nos chama pelo nome.
E sussurra:
“Eu nunca te abandonei. Foi você que cresceu acreditando em uma mentira sobre Mim.”

E foi nesse processo que Ele me devolveu algo que eu nem sabia que tinha perdido:
O senso de pertencimento.

E então eu descobri que eu não preciso me encaixar em lugar nenhum se já pertenço a Deus.
Não preciso provar meu valor se já sou filha.
Não preciso implorar amor se já sou amada por um Pai que governa universos mas escolhe também governar meu coração.

Hoje, eu consigo ver os cuidados Dele nos detalhes.
Mesmo quando o cenário não é favorável.
Mesmo quando o silêncio vem.
Mesmo quando a porta não abre.
Mesmo quando parece que nada faz sentido.

Antes eu chamava de abandono.
Hoje eu chamo de cuidado.

Porque Ele não esconde para punir — Ele esconde para proteger.
Ele não silencia para castigar — Ele silencia para falar no íntimo.
Ele não fecha portas para me humilhar — Ele fecha para me alinhar com as que realmente vêm d’Ele.

E, enquanto eu refletia sobre isso percebi que não sou a única.
Quantas pessoas carregam traumas familiares que distorcem a forma de enxergar Deus?
Quantas confundem correção com rejeição?
Quantas esperam de Deus o abandono que receberam de homens?

A verdade é que a cura da orfandade espiritual não começa quando Deus fala,
começa quando nós reconhecemos que ainda não sabemos ser filhos.

E, quando entregamos isso nas mãos d’Ele, acontece algo sobrenatural:
Ele restaura a nossa identidade.
Ele remove a orfandade.
Ele nos devolve a paternidade.
Ele nos mostra como é ser amado por um Pai perfeito.

E essa experiência é tão profunda, tão real, tão libertadora, que seria egoísmo guardar só pra mim.

Porque talvez alguém ainda ache que Deus o abandonou.
Quando, na verdade, Ele sempre esteve ali — só esperando que o coração estivesse pronto para ser filho.

Então, se o seu coração ainda corre para a solidão quando Deus silencia, respira: isso é a orfandade falando, não Deus.
E Ele não tem prazer em te ver assim.

O Pai que cura feridas é o mesmo que te adotou antes mesmo de você saber que era órfão por dentro.

“Eu não vos deixarei órfãos; voltarei para vós.”
— João 14:18

Pamela Martins

“Cada testemunho compartilhado aqui conta um pouco de mim e muito de Deus.
Espero que aquilo que um dia me feriu, sirva de cura para quem ler, e que cada palavra escrita com dor, floresça em consolo, esperança e recomeço.”

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